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As origens e particularidades do investimento em startups

Cada etapa do financiamento de empresas inovadoras possui características próprias
Em 10 de August de 2017

Em determinado momento da vida de uma startup, será necessário que o empreendedor se preocupe com a chamada “estrutura de capital”. Em termos mais simpáticos, significa dizer que a empresa chegou a um ponto em que não mais consegue sobreviver com seus recursos iniciais, ainda não gera receita e, desta forma, deverá buscar dinheiro no mercado.

Como é de se imaginar, as opções não são poucas. De acordo com Douglas Cumming e Sofia Johan 2009), uma startup não levanta capital uma única vez. Existem vários tipos de investimento que podem aparecer ao longo do tempo, e o que determina qual deles é o mais viável normalmente é a fase em que a empresa se encontra. Enquanto em momentos mais iniciais é comum que uma empresa consiga recursos por meio de familiares e amigos (os chamados Family, Friends and Fools ou simplesmente FFFs) ou investidores-anjo, em etapas mais adiantadas aparecem os complexos fundos de investimento (venture capital ou private equity). O processo se encerra no que o mercado costuma denominar de exit,(hipótese de saída), que na prática pode ser uma fusão, aquisição de grande porte, um IPO (Initial Public Offering) – quando a empresa abre seu capital em bolsa de valores – ou, por fim, qualquer outro evento de liquidez que possa ser capaz de efetivar a saída de um investidor ou do fundador da startup por terem atingido o retorno financeiro esperado.

Portanto, a regra geral é que o volume e a complexidade dos investimentos variam de forma crescente, acompanhando o grau de evolução da empresa. Normalmente, as captações são organizadas e agrupadas em rounds (rodadas) – em determinado período, abre-se uma janela de captação, em que a empresa determina um valor máximo a ser levantado e se “oferece” para investidores. Alguns rounds são maiores, outros menores; além disso, dentro de um mesmo round, pode haver também captação de recursos de diversas fontes – é comum encontrarmos rounds intermediários em que anjos e fundos coinvestem, por exemplo. Esses rounds recebem o nome de series (séries) e costumam estar acompanhados de uma letra do alfabeto que cresce conforme a evolução das rodadas (ex.: Série A, Série B e assim em diante).

A “estrutura de capital” citada no começo deste texto é, portanto, a organização do capital externo captado pela empresa. Estes recursos possuem basicamente duas naturezas: dívida ou participação societária. Na literatura clássica, esta organização é chamada de debt-equity ratio, e para Jensen e Meckling (1976), há uma proporção ótima entre os dois tipos, particular a cada empresa. Entender a estrutura de capital é fundamental para a escolha do contrato a ser firmado com o investidor, pois dívida e participação societária possuem naturezas jurídicas diferentes.

Feitas estas considerações preliminares, podemos percorrer cada etapa de um investimento em startups.

1. Preliminarmente: conhecendo as condições do investimento

 O primeiro contato de uma startup com seu potencial investidor é formalizado por meio da Letter of Intents (LOI), Term Sheet ou simplesmente Memorando de Entendimentos. Neste documento, são expostas as circunstâncias básicas do investimento pretendido, como valor, prazo, tipo de contrato a ser firmado e quais serão as responsabilidades mínimas de cada parte, caso tudo venha a ser concretizado.

É comum que algumas condições sejam impostas para que o investimento seja efetivado. Antes de mais nada, normalmente exige-se que uma due diligence seja finalizada com parecer favorável (sobre isto, veja o próximo item deste artigo); além da due diligence, também pode ser demandado que, durante esta fase, o empreendedor não negocie com mais nenhum investidor até que a negociação termine, que não seja revelado nenhum detalhe do deal ou que a empresa cumpra algumas metas básicas.

Finalmente, é importante destacar que este documento pode até ser vinculante para as partes, mas via de regra não funciona desta forma. Se assim for, o investidor então não tem obrigação de aportar o capital, da mesma forma que o empreendedor não precisa aceitar necessariamente aquelas condições. Se o fizer, ainda há uma etapa a ser percorrida antes do investimento ser concretizado: a due diligence.

 2. Due Diligence: sua casa está em ordem?

 Por meio da due diligence, o investidor conhece a empresa em que pretende injetar seu dinheiro. Uma vez que geralmente é uma figura externa à operação da startup, é necessário levantar informações sobre aquele negócio, notadamente em um cenário que é marcado por assimetrias informacionais. Como o investimento em startups possui características de alto risco, os investidores costumam ser bastante criteriosos na escolha das empresas – e se forem fundos, isto tende a ser ainda maior.

Neste procedimento, o investidor (ou algum representante, como advogados ou auditores) examina uma série de documentos que podem evidenciar a situação jurídica, contábil e fiscal da empresa, como certidões, registros, livros, contratos firmados, documentos societários, dentre outros. Ao fim da due diligence, geralmente é elaborado um parecer que aprova ou desaprova aquele investimento.

O devido preparo para a due diligence é responsabilidade do empreendedor, uma vez que esta etapa é fundamental para que tudo corra bem. Por isso, é importante que se preocupe desde cedo com algumas tarefas “chatas”, mas importantíssimas: formalizar as relações em contratos, registrar corretamente a contabilidade e não postergar obrigações burocráticas são alguns exemplos.

Se encontrar uma casa em desordem, o potencial investidor provavelmente desacreditará aquela empresa e não mais se sentirá seguro em comprometer seu dinheiro; num sentido contrário, se tudo estiver regular e a organizado em todos os sentidos, fica demonstrado que ali há serious business e o investidor pode confiar naquele negócio.

 3. Assinando o contrato

Falamos anteriormente que a estrutura de capital de uma empresa é formada pelo binômio debt-equity.Por esta razão, é comum considerarmos que o contrato de investimento pode ser um contrato de dívidaou um contrato que assegura algum tipo de participação societária. Enquanto na primeira há uma relação de crédito, em que a empresa deve ao investidor, na segunda a relação é de propriedade: o investidor se torna dono de parte da empresa. Entretanto, não funciona de forma tão simples.

A natureza arriscada do investimento em startups acende uma luz de alerta nos investidores, que buscam maneiras de mitigar este caráter de incerteza. Diante desta realidade, surgem os chamados mecanismos de controle, cujo estudo se destaca principalmente em Sahlman(1990). De acordo com o autor, temos que os contratos de investimento (notadamente venture capital) são desenhados de forma a proteger o investidor de contingências futuras e, assim, suavizar possíveis perdas. Apesar ser permitido que o investidor ingresse na Sociedade no começo de tudo, muitas vezes isto representa um risco que ele não quer correr. Neste panorama, surgem contratos peculiares. O principal deles é o contrato de mútuo.

Uma das razões que faz do mútuo conversível talvez o contrato mais utilizado para o investimento em startups é o fato de ele misturar os conceitos de dívida participação, surgindo assim um verdadeiro título híbrido. Semelhante às debêntures conversíveis utilizadas pelas Sociedades por Ações, neste instrumento utilizado pelas Limitadas o investidor “empresta” capital à empresa, que por sua vez se compromete a devolver o valor em determinado prazo, com ou sem incidência de juros – mas sempre corrigido monetariamente. Por ser um contrato conversível, cumpridas determinadas metas ou pela simples vontade do investidor, o valor “emprestado” pode ser convertido em participação na Sociedade, em substituição à sua devolução pela empresa. É importante, assim, que o contrato estabeleça desde o princípio o valuation da companhia a ser utilizado no momento da conversão, ou ao menos como este será calculado; deve ser prevista também a transformação da Sociedade em Sociedade por Ações após a conversão e o tipo da ação que será emitida em favor do investidor (normalmente Ações Preferenciais com possibilidade de transformação em Ordinárias).

Em 2016, foi publicada no Brasil a Lei Complementar n. 155/2016 que prevê, exclusivamente para o investimento-anjo em Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, o chamado contrato de participação. Esta lei estabelece que este contrato compreende aportes de capital que garantem ao investidor remuneração periódica e possibilidade de resgate futuro. Os prazos e condições básicas do contrato de participação estão fixados em lei, mas esta é silente sobre sua convertibilidade – o que, em tese, significa que esta é admissível. Contudo, a Receita Federal publicou, em 21 de julho de 2017, Instrução Normativa que trata da tributação deste contrato. De acordo com o entendimento da Receita, tanto a remuneração periódica do investidor quanto o resgate do seu capital deverão ser tributados em alíquota proporcional ao prazo do contrato.

Estes foram apenas dois exemplos de contratos utilizados para o investimento em startups. Independente do tipo de instrumento, é importante ler cada cláusula com calma e prever sua aplicação futura. Quanto mais cautela, menos imprevistos – e mais segurança para todas as partes.

Quando a teoria se perfaz em prática, tudo se torna mais amplo e complexo. Por isso, prever neste texto todos os tipos contratuais e suas peculiaridades demandaria um espaço que exorbita os limites desta coluna e seria uma tarefa hercúlea. Por tal razão, é fundamental que durante todo o processo de investimento a startup tenha a seu lado um advogado com experiência em venture capital.

Entender como cada etapa se desenha e projetar contratos que façam sentido para a situação atual da empresa e condições daquele investimento é uma tarefa que é longe de ser generalista. O financiamento de startups é um índice muito importante sobre a maturidade daquele ecossistema: se os agentes estiverem preparados e houver mais segurança, o volume de capital disponível aumenta e, consequentemente, a inovação prospera cada vez mais.

 

Fonte: JOTA | Victor Cabral Fonseca*

*Victor Cabral Fonseca – Advogado da área de Startups, Inovação e Corporate Venture. É graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (FDRP-USP) e mestrando em Direito dos Negócios e Desenvolvimento Econômico e Social pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (SP). Membro-fundador da Comissão de Estudos da Legislação em Empreendedorismo Criativo e Startups da OAB/SP - Pinheiros e co-fundador do São Paulo Legal Hackers, capítulo local da organização global que promove pesquisa e difusão de conhecimento em direito e tecnologia. Realiza pesquisa em Direito, Inovação, Startups e Empreendedorismo desde 2013.

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